Eu estou postergando este relato há meses. Mas de hoje não passa. Justamente hoje que estou mais atolado que nunca na faculdade. Enfim, sem chorumelas. Avante!
Estamos em Abril de 2015, Barcelona, Catalunha, Espanha. Eu chegara num sábado, vindo de Sevilha, na Andaluzia.
Nas minhas viagens, eu não planejo, em nenhuma hipótese, o meu roteiro completamente. Somente penso assim: se estou indo a Berlim, devo ir à East Side Gallery. Mas já basta. O resto eu me permito conhecer. Decido na hora e simplesmente vou. Neste causo catalão, a única coisa que eu havia pré-estabelecido como obrigatório era ir ao Camp Nou assistir a um jogo do Barcelona. Precisava dizer aos meus vindouros filhos que eu havia visto Lionel Messi jogar in loco. E o resto? E a Barceloneta? E a Sagrada Família? Conheci tudo e mais. Contudo, fui no impulso, na endomotricidade. (Adoro neologismos).
Eu sabia que o Barça jogaria na quarta. E meu ingresso já estava comprado. Também sabia que, neste sábado da minha chegada, o Barça jogaria fora de casa. Mas eu não atentara ao rival. Decidi checar na internet e descubro que ele enfrentaria o Espanyol. Se a grafia não lhe for familiar, o Espanyol também é de Barcelona. De um bairro afastado, mas da mesma cidade. Apenas 5h me separavam do horário do jogo. E aí? Vou ou não? Ah, já estou aqui! Vou sim. Os ingressos disponíveis eram no meio da torcida do Espanyol e aí eu começo de fato a minha história... Você leitor, quer ame ou odeie o futebol, sabe, de certeza, que o Barcelona é um time poderosíssimo, onde jogam o Neymar e o gênio da atualidade, o argentino Messi. O FC Barcelona é adorado no mundo inteiro. Ok. Agora imagina como se sentem os poucos torcedores do Espanyol. São da mesma cidade, mas ninguém liga para eles. Muitos nem sabem da sua existência. Os próprios torcedores do Barça ligam muito mais para um clássico contra os times de Madrid do que contra os seus co-citadinos. Isso durante décadas e décadas gerou um ódio mortal dos torcedores do Espanyol para com os culés (torcedores do Barça). Esse ódio teve e ainda tem até implicações políticas, separatistas, étnicas etc.
E adivinha onde eu fui me meter? No meio da torcida apaixonada do Espanyol. E lá eu vivi uma das coisas mais loucas de descrever na vida. O rapaz, que chegou atrasado, e sentou ao meu lado, tendo do outro lado sua irmã e sua mãe, era MUITO fanático. Ele apoiava incondicionalmente. A sua consciência poderia até dizer que seria impossível vencer, pois a disparidade entre os times é imensa. Mas, dentro de seus olhos e coração surrados de colecionados insucessos, volta e outra brilhava um quê de esperança. O jogo foi amplamente dominado pelo Barça. Só 2x0. Messi e Neymar. Mas ele jamais parara de apoiar, de incentivar, de ter orgulho de vestir o manto sobre seu corpo.
Está bem. Nada excessivamente poético nisso. Mas esse ocorrido pairou por meses na minha cabeça. Eu pensei nos pais que insistem em filhos vacilantes, como os adictos em drogas. As mães fazem de tudo, rendem-se e nós, de fora, indagamo-nos o porquê. É o amor. Todos nós humanos, às vezes ou com frequência, com um pouco mais de intensidade ou um pouco menos, temos nossos períodos de insistência às cegas. Querer acreditar que determinada pessoa jamais fará determinada coisa ruim. ''Ela me trair? Nunca!", ''Ele falar de mim pelas costas? Jamais!''. E quantas vezes quebramos a cara.
Também pensei no amor de Deus, na insistência dele em nós. Somos todos falhos. Todos. Mesmo assim, o Pai enviou seu único e precioso Filho para que todo aquele que creia nele não pereça, mas tenha a vida eterna. Deus já sabia, desde antes da fundação do mundo (ipsis litteris) que falharíamos. Mas... nossa falha é mais certa e grave que a do Espanyol frente ao poderoso Barcelona. E, Deus nos ama muito mais que o fanático que sentara ao meu lado ama o seu time.
Deus é fiel. É a fidelidade.
Realmente, posso tentar alegorizar mil vezes, mas nunca vai caber. O que Deus faz é assaz incomensurável. Pra falar bonito.
''Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.'' - Isaías 49:15